Etanol X biodiesel: A pressão pelo dinheiro do RenovaBio
Setor de etanol se movimenta para dificultar o aumento da mistura de biodiesel. O RenovaBio está induzindo uma competição em que a preocupação com a redução das emissões de carbono ficou em segundo plano e todos podem sair perdendo
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Por Miguel Angelo Vedana*
Quem são os inimigos do biodiesel no Brasil hoje? Quais são os grupos e pessoas que, de algum modo, estão freando seu desenvolvimento no país?
Excluindo os nomes óbvios, vamos encontrar um grupo que há até pouco tempo não dava a menor importância para o biodiesel: o setor de etanol. O segmento sequer entendia ou procurava entender como o mercado funcionava, mas, agora, trabalha por meio de uma intricada rede de pessoas para fazer com que o aumento da mistura chegue o mais tarde possível.
O grupo em questão começou a se preocupar com o biodiesel porque ele irá competir por um produto que vai ser lançado no próximo ano: os créditos de descarbonização (CBios). Assim, parte do setor de etanol não quer que o biodiesel avance.
Por causa da forma como o RenovaBio foi estruturado, quanto maior o uso de biodiesel, menor será demanda por CBios vindos do etanol hidratado. Por este motivo, houve até mesmo uma comemoração de pessoas ligadas ao setor de etanol quando a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) não recomendou o aumento da mistura de biodiesel ao diesel.
A princípio, o RenovaBio deveria estimular uma competição saudável entre as usinas, mas ele está desencadeando uma guerra entre setores – em resumo, a política pública está induzindo uma parte do mercado de etanol a trabalhar para limitar o crescimento do biodiesel. Ou seja, a preocupação deixou de ser a redução das emissões de carbono e passou a ser fazer o dinheiro dos CBios fluir mais para um setor do que para outro.
De certa forma, o importante grupo de pessoas que seguem este raciocínio estão repetindo o erro que cometem ao tratar o carro elétrico como um inimigo. Elas parecem não entender quem são seus aliados e seus opositores. A guerra a ser travada é a dos produtos com baixa emissão de carbono contra os produtos de grande emissão – o setor e o meio ambiente apenas perdem com batalhas como estas. Falta a percepção de que o etanol, o biodiesel e o carro elétrico estão do mesmo lado.
Ficar tentando passar rasteira em um setor que está contribuindo para diminuir a poluição nas cidades e no planeta para poder vender mais CBios é um completo despropósito.
Oficialmente, nada disso acontece. Mas quem está dentro do mercado, conhece as pessoas e sabe como o jogo é jogado já percebeu o que está sendo feito há algum tempo. Inclusive, a possibilidade de disputa entre o setor de etanol e biodiesel foi levantada pelo novaCana um ano atrás, quando o RenovaBio estava em processo de definição de metas. Na época, o alerta já era voltado para os riscos dessa visão estreita.
Os setores de biodiesel e etanol precisam se unir contra o diesel e a gasolina. Sozinhos, eles têm menos atuação e possibilidades na luta contra a força secular do petróleo. O etanol tem 46% do mercado de ciclo Otto do Brasil, enquanto o biodiesel tem 10% do mercado de ciclo diesel. O carro elétrico dificilmente terá 10% do mercado nacional nos próximos dez anos. Em contrapartida, o poluente petróleo tem 74% do mercado de combustíveis do Brasil.
O etanol e o biodiesel, juntos, podem contribuir muito mais no curto prazo do que o carro elétrico. Basta eles se unirem e entenderem que o objetivo é partir para cima da gasolina e do diesel no mercado nacional.
Aumentar o uso de biodiesel e de etanol no mercado de combustíveis do Brasil é a luta justa, é a guerra em que todos veem claramente de que lado devem estar. É a guerra bilionária contra as emissões de carbono.
* Miguel Angelo Vedana é diretor-executivo do novaCana e da BiodieselBR
Fonte: https://www.novacana.com/n/etanol/mercado/etanol-biodiesel-pressao-dinheiro-renovabio-120419