HAROLDO TORRES (PECEGE): AS INFLUÊNCIAS DO TEMPO E DO MERCADO PARA A SAFRA DE CANA 2019/20
Sempre atentos à produtividade e à rentabilidade do setor sucroenergético, pesquisadores do Pecege apontam como a atual temporada será influenciada pelas chuvas, além de analisarem o desenvolvimento dos canaviais e darem suas perspectivas de preço para a cana e seus produtos.
Olhar para os detalhes dos canaviais é o primeiro – e mais importante – passo para quem deseja saber em que direção está indo o mercado de açúcar e etanol. E um dos dados mais claros atualmente é a relativa estabilidade na quantidade de cana colhida pelo setor, que pouco ultrapassou as 600 milhões de toneladas nas últimas safras. Além disso, nos anos mais recentes, especialmente a partir da temporada 2016/17, a produtividade sofreu quedas.
O uso de novas variedades e da meiosi, além da renovação dos canaviais, por exemplo, são algumas alternativas para os produtores que buscam reduzir os custos unitários ao aumentar o rendimento dos canaviais. Essas alternativas, porém, necessitam de investimentos.
A situação se torna mais delicada quando se observa que o custo de produção da cana tem ficado cada vez mais elevado, enquanto a remuneração não segue o mesmo ritmo. Afinal, os preços dos produtos sofrem a influência de diversos fatores, tanto do mercado nacional quanto do internacional.
O Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (Pecege) faz análises periódicas vinculando algumas dessas variáveis e trata de mercado, produção e clima – o último, por meio do Sistema TempoCampo.
No mais recente relatório, lançado em junho, o baixo volume de chuvas na maior parte do Centro-Sul no mês de maio fez com que a taxa de crescimento dos canaviais de final de safra reduzisse. O baixo teor de água tende a prejudicar o desenvolvimento dos canaviais que serão colhidos no último trimestre, fator que também reduz a produtividade. Em compensação, a maturação das áreas com colheita prevista para junho e julho foram favorecidas.
Os menores valores acumulados de chuva ficaram abaixo dos 60 milímetros e foram no sudeste de Mato Grosso, sul de Goiás, norte de São Paulo e no Triângulo Mineiro. A quantia reduzida fez com que o armazenamento de água do solo ficasse abaixo dos 30%.
Para o campo, o tempo seco favoreceu as operações de colheita, transporte e moagem de cana, sendo o processo 34,9% mais intenso do que no mesmo período da temporada passada. Já as temperaturas se mantiveram amenas, graças às frentes frias ao longo do mês.
Um dos responsáveis pelo estudo é Haroldo Torres, gestor de projetos do Pecege. Torres é economista pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado e doutorado em Economia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade, de São Paulo. Ele possui experiência em economia agrícola, especialmente no desenvolvimento de modelos e sistemas voltados para análise de projetos, análise de custos de produção e pesquisas nos setores citrícola e sucroenergético.
Na NovaCana Ethanol Conference 2019, Torres será o moderador do painel Avaliação e Perspectivas para as Safras 2019/20 e 2020/21. Nele, serão discutidos temas como dúvidas e certezas da temporada brasileira, renovação de canaviais, custos de produção, preços de venda da cana, expansão, e novas variedades e tecnologias no campo.
Desenvolvimento dos canaviais
Segundo o Coeficiente de Produtividade Climática (CPC), do sistema TempoCampo, as condições de desenvolvimento dos canaviais estão favoráveis na safra 2019/20 em grande parte do Centro-Sul. Os ganhos, conforme o indicador, são de até 5% no norte de Mato Grosso do Sul e no Oeste Paulista, em cenário intermediário. Por outro lado, as maiores perdas esperadas foram registradas no Triângulo Mineiro, podendo atingir até 4%.
Além do clima, outra grande preocupação – em parte inerente a ele, mas também relacionada a investimento e práticas agrícolas –, é a produtividade no campo. O relatório pontua que ela deverá oscilar entre 74,3 a 76,1 toneladas de cana por hectare, considerando os cenários pessimista e otimista, respectivamente.
Estes números representam variações de -1,15% e 1,21% em relação às projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a safra atual, também estando próximas ao indicador de 2018/19, de 72,23 t/ha.
Especificamente, os canaviais de Mato Grosso do Sul e do Oeste Paulista, que receberam bons volumes de chuva entre fevereiro e abril, possuem condições melhores de produtividade, com o indicador médio variando entre 80 e 85 t/ha. Na outra ponta, o noroeste paranaense tem as menores expectativas de produtividade, variando entre 61 e 70 t/ha em um cenário intermediário, também estimado pelo sistema TempoCampo.
O estudo ainda projetou a quantidade de cana que será moída em 2019/20: são esperadas entre 560 e 573 toneladas no Centro-Sul, entre os cenários pessimista e otimista. O volume representa uma variação de -2,2% e 0,15% frente à safra anterior, conforme os dados da Conab. Ou seja, esta deve ser mais uma temporada de certa estagnação na produção de cana-de-açúcar.
A estimativa foi feita com base na ponderação entre as simulações de produtividade, a área cultivada fornecida pelo IBGE na safra 2019/20 e o mapa de solos do Brasil. O Pecege também ajusta as projeções de acordo com dados internos de idade média do canavial por microrregião produtora, período predominante de plantio e nível de tecnologia dos canaviais analisados.
Atraso na moagem, reflexo nas usinas
Conforme o relatório do Pecege, há reflexos claros do atraso no início da moagem de cana em 2019/20, o que vai de acordo com o acompanhamento feito pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
Ainda assim, o preço médio do açúcar total recuperável foi levemente elevado em relação à última análise, para entre R$ 0,5851/kg e R$ 0,6715/kg. O aumento se deu por conta de um pico inesperado no valor da cana em abril, ocorrido principalmente pela elevação na remuneração do etanol. Além disso, a previsão média é de R$ 0,6229/kg.
Ainda sobre o renovável, o mês de maio, o preço do etanol se manteve abaixo da linha de 70% do da gasolina nos postos de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Paraná. O índice – inferior à paridade energética comercialmente estabelecida – indica que o renovável é economicamente vantajoso para os consumires nestes estados.
Porém, com as quedas recentes do barril de petróleo e, consequentemente, da gasolina A, o Pecege revisou para baixo a projeção de preços tanto do etanol anidro quanto do hidratado em relação à análise anterior. No caso do segundo, a demanda aquecida pelo produto fez com que a revisão fosse mais suave – para março de 2020, por exemplo, a projeção caiu de aproximadamente R$ 1,86/l para R$ 1,79/l.
Um dos pontos que podem pesar no preço dos combustíveis é a safra de milho mais fraca nos Estados Unidos, que pode agir como uma variável importante ao gerar a necessidade de importação do produto nacional. “Neste caso, a queda dos preços decorrente do valor inferior do concorrente fóssil poderá ser compensada pela demanda adicional norte-americana”, expressa o documento.
Quanto ao açúcar, o Pecege reitera o atual senso comum de baixa produção do adoçante, devido ao maior direcionamento da matéria-prima para a produção do biocombustível. Porém, também é esperada uma recuperação no preço da commodity por conta da projeção de déficit global em 2019/20.
“Isto, dado e combinado com a limitação de flexibilidade das usinas para produção do biocombustível, faz com que acreditemos em um mix acumulado não tão propenso ao etanol como na safra 2018/19”, completa o documento.