A ameaça da direita contra a propriedade

Numa eleição presidencial a escolha muitas vezes é movida por sentimentos negativos, entre os quais se destaca o medo.

A opção movida pelo medo pode ser fonte de enganos desastrosos. O medo orienta as escolhas e é o mau conselheiro usado pela direita para levar a opções mal refletidas, cujos resultados se voltam contra o próprio eleitor, com a indicação de mandatários que aplicarão políticas desfavoráveis ao povo, aos trabalhadores, aos empresários da produção e, enfim, contra a democracia.

A história está cheia de exemplos que, mais ou menos radicais, mostram o desastre do apoio à direita, movido quase sempre pelo medo.

A opção mais radical ocorreu na Alemanha, na década de 1930, quando o medo – medo do socialismo – levou muita gente a aceitar a extrema direita de Adolf Hitler. Eram movidos pelo temor de perder suas propriedades caso os comunistas prevalecessem. Mas foi sob o nazismo que houve a pilhagem sistemática da propriedade de oponentes políticos do regime e daqueles racialmente rejeitados, como os judeus. Lojas, empresas industriais, foram sistematicamente tomadas de assalto, a pretexto da “arianização” da economia. E mesmo moradias e outros tipos de propriedade, em ações de pilhagem descritas com minúcia pelo historiador Richard J. Evans (O Terceiro Reich no poder, São Paulo, 2011). Ele conta que, no “começo do Terceiro Reich havia cerca de 100 mil firmas de propriedade judaica na Alemanha; em julho de 1938, cerca de 70% haviam sido arianizadas ou fechadas.” Isto é, a extrema direita, que se apresentou como defensora da “ordem” e da propriedade promoveu a mais intensa e implacável investida contra os bens daqueles que considerava seus adversários.

A ação nazista talvez tenha sido o mais cabal desmentido da pregação da extrema direita em defesa da propriedade privada. Foi crua e brutal, e chegou ao crime puro e simples.

Em outros sistemas controlados pela direita e pela extrema direita, investida semelhante foi, pode-se dizer suavizada pelos costumes democráticos que não aceitariam tamanha violência.

No Brasil, na eleição de 1989, o medo despertado em setores mais conservadores pela “esquerda” e o socialismo variou desde o boato grotesco de que num eventual governo Lula (visto como “socialista”) os proprietários seriam obrigados a dividir suas residências com famílias de sem-teto, até empresários temerosos de perder suas propriedades. A revista Veja noticiou, em 29/11/89, que “Lula se transformou no maior pólo de ansiedade política”. A “fatia da população que é dona do próprio negócio tem a impressão de que vai ficar muito mais difícil trabalhar, investir e ganhar dinheiro” caso Lula seja eleito. “As pessoas que conseguiram formar um pequeno patrimônio ao fim de uma vida de trabalho, mesmo que seja uma casa posta para alugar, perguntam-se o que pode lhes acontecer”.

Pois é – esta ameaça contra os “pequenos patrimônios”, atribuída à esquerda, foi posta em prática pelo governo… da direita. Por Fernando Collor de Mello, apresentado como o “salvador da Pátria”, da propriedade e do capitalismo. Em consequência de decisões econômicas tomadas por aquele governo neoliberal – a mais notória das quais foi o confisco da poupança – 57.808 empresas foram à falência (14.152 em média por ano) nos governos de Collor e Itamar, o vice que o sucedeu depois de ter sido varrido do Palácio do Planalto.

Outro governo de direita, ultraliberal, calamitoso para a propriedade privada de empresários da produção, é o do ilegítimo Michel Temer, que ocupa a presidência da República desde a deposição, por um impeachment fraudulento, da presidenta Dilma Rousseff.

Dados do Cempre (Cadastro Central de Empresas) do IBGE mostram que, em 2013, existiam 5,4 milhões empresas no Brasil, número que caiu para cerca de 5,05 milhões em 2016. Somente em 2016, ano em que Temer tomou o governo de assalto, 64.368 empresas foram fechadas e 2,13 milhões de trabalhadores demitidos.

São dados objetivos que mostram como, nos governos dominados pela direita – desde os mais radicais, como o nazismo alemão, até os mais “suaves”, como o governo Temer, não há garantia para a propriedade privada nem para os empreendedores, ao contrário do que alega a propaganda conservadora.

Sob Hitler o ataque à propriedade privada literalmente roubou bens dos setores indesejados da população, como os judeus – atingindo desde pequenos lojistas até banqueiros e outros magnatas.

No Brasil, no contexto histórico do domínio da alta finança, a atenção dos governos neoliberais aos interesses da especulação financeira (por brasileiros e estrangeiros) está na base das dificuldades de pequenos e médios empresários, que são vítimas do descaso do governo neoliberal, voltado para garantir os pagamentos exigidos pela verdadeira agiotagem financeira que é dona dos títulos da dívida pública, fazendo escassear os recursos necessários ao investimento público que faz girar a economia. O número de desempregados e subempregados – que supera os 27 milhões – é outro resultado perverso dessa política econômica fiscalista imposta pela direita. Que compromete não só os “pequenos patrimônios” construídos por estes trabalhadores, mas principalmente os impede de obter, pelo trabalho, seus meios de vida.

Um olhar atento para a história desfaz o mito de que a esquerda ameaça a propriedade privada e o emprego. E permite compreender que semelhante ameaça está localizada na direita, nos programas de governo cujo conteúdo verdadeiro, que beneficia apenas aos muito ricos, é escamoteado pelos candidatos da direita. Como Jair Bolsonaro, que se recusa a participar de debates justamente para não revelar este conteúdo antipopular e antinacional. Cujo objetivo é manter o domínio sobre o povo e os trabalhadores, arrochar os salários e impor, pela força, o saque aos recursos públicos, na forma de pagamentos dos juros e parcelas da dívida que, no sistema de dívidas existente no Brasil, impõe ao Estado brasileiro. E que concentra nas mãos de poucos a riqueza de uma nação. Seja na Alemanha nazista, seja no Brasil destes tempos conturbados.

 

José Carlos Ruy é jornalista e escritor.

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